- Direto de Marte
- Posts
- O impacto das constelações de satélites
O impacto das constelações de satélites
Quem se importa com a astronomia?
Olá ser incrível desse Sistema Solar cheio de surpresas, meu nome é Julia Brazolim e finalmente voltamos com a newsletter Direto de Marte! \o/ uhuuuu
Agora em nova casa, nossa newsletter passa a ser enviada quinzenalmente via plataforma Beehiiv, já que o antigo Revue onde hospedávamos, foi descontinuado. Bora ler a de hoje?
Cenas cada vez mais comuns
Um estudo publicado na Nature Astronomy em janeiro de 2023, revelou que 5% dos registros recentes do Telescópio Espacial Hubble foram comprometidos pelos satélites Starlink, projeto da empresa espacial SpaceX. Um problema que foi previsto o agravamento antes mesmo do lançamento das primeiras constelações e que poderia ter sido evitado, mas foi ignorado.
Mas e daí que afeta a astronomia?
Precisamos compreender a dimensão das áreas de pesquisa e como elas estão entrelaçadas com a nossa sociedade. Precisamos ter pensamento crítico quanto as decisões de grandes corporações e como elas nos afetam.
Os satélites Starlink é um projeto com o operacional em andamento o que inclui envios contínuos de satélites para o espaço em órbita baixa. A empresa possui como objetivo, desenvolver uma plataforma de satélites de baixo custo e alto desempenho para fornecer a seus clientes internet de banda larga de alta velocidade e baixa latência em locais remotos e rurais em todo o mundo. Não é a única empresa do mundo com este objetivo, temos o Projeto Kuiper da Amazon, mas Starlink vem liderando esse segmento. Inclusive, já falei sobre isso no podcast.
Trilhas de satélites na DECam (Dark Energy Camera)
Acontece que antes mesmo do início dos envios dos primeiros satélites Starlink pro espaço, a comunidade astronômica já havia deixado clara suas preocupações em relação a quantidade exorbitante desses satélites (já são mais de 4 mil, só da Starlink) além de alertar sobre um fator que tornaria esse projeto ambicioso um pesadelo: a reflexão desses objetos. Nos alertas (sim, foram mais de um), foi pedido para solucionar esse brilho antes do envio de centenas pro espaço. A Starlink ainda disse que iam testar um material anti-reflexivo nos satélites, mas pelo visto sem comprometimento.
Propostas do relatório de mitigação
Neste relatório de 2020, astrônomos sugeriram pelo menos 6 maneiras de diminuir os danos causados à astronomia devido a esse enorme número de constelações de satélites.
Lançar menos ou nenhum LEOsats;
Colocar satélites em altitudes orbitais não superiores a 600km;
Escurecer os satélites com algum material, tinta ou usar guarda-sóis para escurecer suas superfícies reflexivas;
Controlar, ter controle da orientação de cada satélite no espaço para que reflita menos luz solar de volta à Terra.
Minimizar esse reflexo para que o efeito de rastros de satélites não fiquem durante o processamento de imagens astronômicas.
Disponibilizar informações mais precisas sobre os satélites para que quem observa possam evitar apontar os telescópios para eles.
A listinha de problemas
Então, se por um lado a ideia é ajudar as pessoas que não possuem acesso a internet em locais remotos (mesmo elas tendo que pagar um valor não tão acessível para tê-la) por outro, devido ao completo desinteresse da empresa, temos como consequência problemas como poluição luminosa, importunação na identificação de dados sobre NEOs (Near Earth Objets ou Objetos Próximos à Terra. São asteroides e cometas) o que implica na dificuldade de proteção e defesa da Terra, confusão pública da mídia e sociedade em geral quanto a identificação de luzes brilhando e se movimentando no céu noturno (OVNIs), a criação de mais lixo espacial e/ou acidentes com a Estação Espacial Internacional (ISS) e por fim e não menos importante, horas e mais horas de trabalhos astronômicos prejudicados devido a ruídos identificados nos dados, resultado das passagens dos satélites Starlink.
O que diz o artigo que saiu na Nature?
Que as constelações de satélites artificiais deixam trilhas que afetam as observações de telescópios espaciais em órbita baixa da Terra (LEO), incluindo principalmente o Telescópio Espacial Hubble (HST, em inglês).
Imagens do Telescópio Espacial Hubble com riscos/trilhas dos satélites Starlink. Crédito imagem: S. Kruk, Nature Astronomy (2023)
Um dos principais autores do artigo The impact of satellite trails on Hubble Space Telescope Observations é o astrônomo Sandor Kruck que liderou o projeto de ciência cidadã Hubble Asteroid Hunter (HAH) no qual eu tive a chance de participar das fases e de ajudar a identificar trilhas de asteroides, além de identificar lentes gravitacionais, raios cósmicos e quase por último, como os satélites da Starlink prejudicaram imagens do Hubble devido as anomalias captadas. Ao todo, foram mais de 11 mil voluntários e eu analisei mais de 600 imagens, acabando em duas listas das 100 pessoas (JuliaBrazolim, tudo junto) que mais colaboraram com o projeto.
O objetivo principal do Hubble Asteroid Hunter era o de provocar os voluntários a identificar trilhas de asteroides nas imagens do Telescópio Hubble, pois assim, ajudaria a “pescar“ o que algoritmos (usando machine learning) deixaram passar, contribuindo com o conhecimento da trajetória de asteroides, bem como a defesa da Terra. Mas, justamente porque os satélites Starlink comprometeram parte dessas imagens e porque foi durante o projeto que os voluntários identificaram os rastro dos satélites pela primeira vez, o HAH decidiu em sua fase final, pedir aos voluntários para ajudar a detectar essas anomalias. Sendo assim, até o momento do artigo, “não houve avaliação quantitativa da frequência com que os satélites aparecem nas imagens do HST.” Mas no estudo, “quantificamos o impacto passado e atual dos satélites de órbita mais alta nas imagens do HST“.
E das 1.613 das trilhas de satélite identificadas pelos voluntários, eles treinaram o modelo de algoritmo AutoML (Método II). Com a aplicação de dois métodos usando machining learning, só para se ter uma ideia, no Modelo/Método I que foi aplicado, o algoritmo em todas as 114.607 imagens previu que 3.157 delas continham rastros de satélites, sendo removidos 205 casos nos quais não foram classificados corretamente pelo algoritmo. O erro se dá porque as previsões falsa-positivas se confundiram com as falhas em estrelas, raios cósmicos e picos de difração de estrelas muito brilhantes. É aí que entra o olho humano que sabendo previamente a diferença da aparência deles nas imagens, consegue classificar com mais cuidado.
Resultado:
“Com a ajuda de 450 cientistas cidadãos, classificamos 10.239 imagens individuais do HST. […] Reunindo dez classificações por imagem para um total de 102.390 classificações. Uma imagem é rotulado como contendo um satélite se a maioria dos voluntários forneceu um classificação positiva (cinco ou mais classificações positivas em dez classificações por imagem). Se todos os usuários classificaram uma imagem como não contendo um satélite, adicionamos essas imagens à classe 'sem satélite'. Balanceando os dois conjuntos de dados que tenham aproximadamente o mesmo número de imagens para ambas as classes, isso resultou em 3.329 imagens para a classe 'sem satélite' e 2.622 para a classe ‘satélite’.“
Inteligência Artificial resolve o problema... Resolve, né?
Não.
Sei que dói pra você que ama IA ou que tá surfando neste momento na crista da onda, mas não. Não resolve.
Uma coisa curiosa (pra não dizer revoltante) que eu li esses dias, foi um usuário do Twitter respondendo a uma publicação do projeto de divulgação científica Céu Profundo. Eles haviam postado um tweet reclamando das imagens prejudicadas pelos rastros dos satélites, onde um usuário deu a incrível solução a seguir:
Esse pensamento simplista está errado de tantas maneiras que eu nem sei por onde começar. Mas para esta newsletter não se tornar um livro, vou começar com:
Tem como a tecnologia avançar sem prejudicar a sociedade. Se chama planejamento sustentável, mas o capitalismo selvagem não quer saber disso.
Astronomia não é parte colaborativa e necessita da tecnologia também?
IA limpar imagem criaria uma imagem falsa. Virtual. Não é ciência gerar dados falsos para mascarar um problema.
Como bem respondeu o Céu Profundo:
“O objetivo da observação astronômica é realizar medidas precisas dos objetos observados. Uma IA "inventa" conteúdo e preenche os pixels, mas não recupera as informações que foram mascaradas pelos satélites. Quem está impedindo avanços é o El0n Mu5k.“
E aí? Acha que rende uma pauta pro podcast?
Fontes
Todas as fontes já estão diretamente linkadas ao texto, mas segue as principais:
»» Caso você não tenha mais interesse em receber nossos conteúdos da Missão Exoplaneta, só se desinscrever ☹️ Caso contrário, aguardem o próximo capítulo!