O início da mineração lunar

Quando a ficção científica deixa de ser ficção, é hora de entender os limites e obstáculos pelo caminho.

Há uma diferença de 152 anos entre a obra francesa Da Terra à Lua (Júlio Verne, 1865) até Artemis (Andy Weir, 2017). Na primeira, temos um livro onde Verne insere de forma meticulosa na mente dos leitores da época, uma fagulha que acendeu uma chama de curiosidade e interesse de desbravar um mundo desconhecido que seria a Lua. Que seres habitam? Qual a cor do céu? Como é o chão? Seriam perguntas a serem respondidas pelo primeiro desbravador do século XIX que conseguisse construir um mecanismo que o enviasse até solo lunar.

Já no livro Artemis, Weir nos apresenta a primeira cidade na Lua onde a humanidade já se estabeleceu mas precisa lidar com a escassez de recursos e um crime perturbador.

Viagens espaciais não fazem mais parte apenas do imaginário de autores de ficção científica, que inspirados em traçar cenários do futuro dos humanos fora da Terra, criaram engenhocas em suas histórias que solucionassem diversos problemas de tecnologia que nos impede de chegar a outros mundos. Na última década o setor privado e diversas agências espaciais estão provando que estamos numa etapa mais avançada e que fortalece ainda mais a chamada exploração espacial, tentando transformar essas ideias fantasiosas em realidade.

Olhando o cenário atual, de um lado estão aqueles que cobiçam a platina em asteroides para fins comerciais, aqueles que miram o primeiro homem em Marte, os que “prendem a Terra numa gaiola” de rede de satélites (exagerei aqui) ou aqueles que visam lucrar com passeios caríssimos para ver a Terra do espaço. E de outro lado (não tão distante assim) temos os que traçam meticulosamente formas de criar uma base científica na Lua, como minerar água lunar e aprender ao máximo sobre nosso satélite natural para futuramente visitar o Planeta Vermelho.

Mas o que está mais próximo da realidade?

Enquanto empresas como a norte-americana AstroForge coloca em prática missões visando a tentativa de minerar asteroides, agências espaciais como a NASA, trabalham no mapeamento de água na Lua. Numa publicação sobre o fracasso da missão Odin, a segunda de três com foco na mineração de asteroides, a AstroForge justifica a diferença de uma empresa privada e uma estatal, argumentando que erros serão contínuos até “dar certo porque o que os move é a competição mercadológica.

“[…] Construímos Odin em menos de dez meses a um custo de aproximadamente $3,5 milhões. Para comparação, uma missão semelhante da NASA como o Lunar Trailblazer custou cerca de $95 milhões apenas para a nave espacial. Nós realizamos nossa construção em cerca de 7% desse custo. Essa abordagem de iteração rápida incorpora nossa filosofia: aprender rápido, ajustar rapidamente e aceitar riscos calculados para ganhar experiência que não pode ser adquirida através de simulação ou planejamento sozinho.“

AstroForge

A conquista da Lua. De novo…

O programa espacial Artemis da NASA está a todo vapor e rumo a missão Artemis III que visa levar novamente humanos de volta à Lua, mas dessa vez de forma mais… ambiciosa. Já falei sobre esse programa no podcast e vira e mexe comento sobre outras agências que estão com missões apontadas para nosso satélite natural nessa “nova corrida“ espacial.

Mais recentemente, a NASA publicou seus testes de iluminação em maquete de larga escala e baixa fidelidade em que astronautas treinam e simulam o ambiente no Polo Sul Lunar junto as sombras do módulo lunar projetadas por vários ângulos da forte iluminação solar:

Na imagem, engenheiros da NASA dentro da Flat Floor Facility, o simulador de ambiente lunar no Marshall Space Flight Center em Huntsville, Alabama, imitando as tarefas de inspeção e avaliação de módulos que os futuros astronautas da Artemis III. Créditos: NASA/Charles Beason

Testes a parte, a agência estadunidense vem se dedicando a propagar ainda mais seu desejo de comércio espacial. Um exemplo é a página Growing the Lunar Economy que encontrei recentemente no website do programa Artemis (que até pouco tempo não me lembro de estar ali). Nela, há um relatório chamado Crescimento Econômico e Impactos da Competitividade Nacional do Programa Artemis e explicam que “A estratégia da NASA para o espaço estimula a indústria espacial comercial, que impulsiona novas ideias, reduz custos e aumenta as oportunidades de negócios que podem promover uma economia lunar e servir outros clientes em benefício da humanidade.

Nem parece um redator da NASA escrevendo e sim um cara de terno e gravata apertando o botão do gerador de lero lero econômico.

Entre serviços de carga útil, trajes espaciais e veículos lunares, diversas empresas podem oferecer soluções nesse competitivo mercado espacial e lucrar com suas ideias aceitas e contratos fechados com o governo dos EUA, liderando então, a inovação oferecida para a NASA (apertei o botão de lero lero Faria Lima aqui).

E onde entra a mineração lunar nessa história?

→ Mineração de água na Lua

A mineração de água na Lua seria deveras importante para ajudar a abastecer as missões de astronautas e suas estadias a longo prazo. Temos vários testes e missões de mineração de água lunar ocorrendo. Como por exemplo, o experimento PRIME-1 de mineração de Gelo Polar que ocorreu em fevereiro deste ano (2025) pela NASA para “realizar uma demonstração de perfuração na Lua“ e entender os recursos disponíveis por lá. Com esse experimento é possível identificar quantidade de água de gelo disponível e até quanto o perfurador TRIDENT consegue perfurar com sua broca. Mas o PRIME-1 é fichinha perto da missão Lunnar Traiblazer (NASA) que pretende mapear todo o ciclo da água e suas formas de distribuição pela superfície da Lua.

E não é só os EUA que estão com a bola da vez. Em 2024, a China conseguiu coletar amostras de moléculas de água com sua sonda Chang’5 que pousou em 2020 na Lua com o objetivo também ambicioso de nos próximos anos explorar a superfície lunar, construir uma base para astronautas e se tornar uma potência espacial.

→ Mineração de Helio-3

Chamado de “combustível do futuro“ por Ricardo Galvão para o Jornal da USP, o professor e atual presidente do CNPq diz que o hélio-3 seria essencial para (hipoteticamente) servir de combustível nuclear na Terra e com a descoberta de que na Lua há hélio-3, isso ajudaria a humanidade a investir em energia limpa extraindo (minerando) e enviando para o nosso planeta.

“O hélio-3 só é produzido através de colisões com partículas muito energéticas que vêm do espaço, depois de um tempo ele vai decaindo na Terra e é absorvido pelas camadas superiores. Mas ele existe abundantemente na Lua”

Ricardo Galvão para o Jornal da USP

Segundo a ESA, esse isótopo (átomos com o mesmo número de prótons, mas com diferentes números de nêutrons), “poderia fornecer energia nuclear mais segura em um reator de fusão, uma vez que não é radioativo e não produziria resíduos perigosos”. A Agência Espacial Europeia, cita que a Índia possui interesse em minerar a superfície lunar atrás do hélio-3 e mais recentemente, a startup Interlune dos EUA está com o objetivo de enviar uma missão em 2027 chamada Prospect Moon para extrair hélio-3 que, acredite ou não, já está avaliado em cerca de 20 milhões de dólares. Ou seja, mesmo com dúvidas em torno de como utilizar esse recurso na Terra ou como combustível para veículos espaciais no futuro, o “mistério“ em volta de algo que está em abundância na Lua, já eleva seu valor econômico - mesmo que ainda não se saiba como aplicá-lo na prática.

Refletindo sobre a mineração espacial

Com um mundo dominado por bilionários na política com seus planos megalomaníacos e caricatos para uma “conquista“ espacial, temos aí na jogada com eles países como China, Japão e Índia avançando rapidamente rumo à Lua e soberania nacional, nesse desejo de programas espaciais cada vez mais ambiciosos de colocar mais e mais humanos no espaço. Mas vai além da descoberta pela descoberta. A tal economia espacial e os recursos que ela proporciona é cobiçada por todos. E não basta chegar primeiro e sim, conseguir extrair uma quantidade suficiente para consumir ou produzir como combustível.

Além da Lua, no podcast da Missão Exoplaneta, já está disponível um episódio feito todinho para falar de Mineração Espacial onde falo sobre a mineração de asteroides e ainda contamos com a participação do químico e divulgador científico Marcos Aurélio que falou sobre os impactos ambientais da mineração na Terra! Legal, né? Então se você gostou desta edição, vai curtir o episódio também!

Obrigada por ler até aqui e até a próxima edição!